Aline, Maria ou Jeruza: até quando mulheres serão vítimas de feminicídio?

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Manaus-AM| Em menos de um mês, Manaus acompanhou a história de três mulheres que sofreram violência nas mãos dos homens que elas amavam. Aline, Maria e Jeruza foram vítimas de crimes que chocaram a sociedade amazonense e que dessa vez não ficou impune. Todos os suspeitos foram presos e confessaram as mortes.

Aline Pâmela Teixeira foi assassinada a pauladas por um ataque de fúria do companheiro. Maria de Lourdes queria dar fim ao relacionamento e acabou morta com 12 facadas. Já Jeruza Gonçalves da Costa também morreu com uma facada no coração.

A violência contra a mulher ainda está muito presente em nossa sociedade. Mas as mulheres devem entender que elas não tem culpa. A delegada titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra Mulher, Débora Mafra, diz ser lamentável estes fatos que assombraram Manaus, mas ressalta que é importante as mulheres sempre denunciarem.

“Todos devem incentivar as mulheres a denunciarem e continuarem no processo e incentiva-las a não retornar para os ex-companheiros, não acreditarem que eles mudaram e não a agrediram mais. A polícia e outros órgãos tem várias políticas públicas para trazer segurança a mulher após o registro de BO como o deferimento das medidas protetivas, busca de pertences, casa abrigo, aplicativo no celular, visitas da Ronda Maria da Penha, além de serviços psicológicos e assistenciais”, explicou.

A delegada ainda falou sobre o machismo intrínseco na sociedade e disse que é necessária uma conscientização do homem que ainda é manchada com o machismo.Ela disse que na frente da polícia, eles querem colocar a culpa nas vítimas. “Os agressores, quando estão frente a frente com a polícia, geralmente são educados e colaborativos. Gostam de demonstrar que a culpa é da vítima e que sofrem nas mãos das vítimas. Gostam de inverter os papéis”, disse a autoridade.

Os dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, apontaram nos 6 primeiros meses do ano que houve apenas 1 feminicídio em Manaus, porém com esses de agora somarão outros mais. “A segurança pública não tem como prever, temos que continuar a combater estes casos, com todo o rigor da lei, para não se repetirem e servirem de exemplo a outros de maneira a fazer com que as mulheres denunciem o quanto antes e que os homens respeitem as mulheres para não acabarem sendo presos”, finalizou a delegada.

Debater o assunto é necessário

O Atlas da Violência 2019 indica que houve um crescimento no número de homicídios de mulheres no Brasil. Trazendo os dados de 2017, o documento informa que ocorreram em torno de 13 assassinatos por dia, totalizando 4.936 mortes femininas, sendo o maior número registrado desde 2007. Esses dados alarmantes tem sido percebidos nas inúmeras notícias transmitidas pela mídia nacional em diferentes Estados brasileiros.

Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Estado do Amazonas é o terceiro no país com maior proporção de casos de feminicídio a cada grupo de 100 mil mulheres residentes no Estado. Segundo reportagem da Rede Amazônica (21/06/2018) o Tribunal de
Justiça do Amazonas – TJAM encerrou o ano de 2017 com 522 processos de feminicídio. Esse número foi 15,5% maior do que a quantidade de processos de feminicídio pendentes em 2016 que somaram 452 processos. Além disso, 168 processos de feminicídios foram finalizados ou arquivados e somente quatro sentenças foram proferidas em 2017.

O crime de feminicídio caracteriza-se pelo assassinato de mulheres, ou seja, as mulheres são assassinadas porque são mulheres, por uma questão de gênero. Nessa situação, segundo a antropóloga Márcia Calderipe, percebe-se a desigualdade entre homens e mulheres e a desqualificação do feminino.

“Homens mantêm uma relação de dominação para com sua esposa, companheira, namorada, tratando-as como objeto e exigindo que atendam a seus desejos, inseguranças, ciúmes. Quando as expectativas masculinas não são alcançadas, o desfecho das brigas e agressões pode ser o feminicídio. Somado a isso, as precárias condições em termos de políticas públicas na área da educação, saúde, direitos reprodutivos contribuem para agravar as tensões nos relacionamentos”, ressaltou a antropóloga que também é professora.

Ela explicou ainda que a sociedade amazonense precisa de discussões e reflexões amplas sobre os papéis masculinos e femininos, sobre o que esperar de homens e mulheres na vida em sociedade. “Até que ponto os modelos do que é ser homem e o que é ser mulher hoje contribuem para a existência do feminicídio? Como podemos mudar o alarmante crescimento desses casos? Como as mulheres podem ser protegidas em situações como a de Aline?”, questionou a antropóloga.

A lei do Feminicídio, enquanto uma medida punitiva, tem o propósito de identificar os crimes cometidos contra as mulheres pela especificidade de gênero, ao mesmo tempo em que busca frear esses crimes considerando-os hediondos. “Penso que precisamos, além das medidas de proteção que as leis citadas garantem, uma ampla discussão sobre o crescimento desses crimes e como a sociedade pode buscar formas de combatê-los. As discussões sobre gênero, hoje combatidas por setores conservadores da sociedade, impedem as transformações tão necessárias para impedir os crimes de feminicídio”, afirmou a especialista em gêneros.

A antropóloga explicou ainda que é mais do que necessário debater nas escolas, nas igrejas, nas famílias, na sociedade em geral sobre sexualidades e os lugares de mulheres e homens na sociedade. “O modo como as relações dão-se na esfera privada é sim uma questão para ser debatida pública e coletivamente. Isso garantirá maior equidade nos relacionamentos e, por conseguinte, uma diminuição em crimes como o feminicídio”, finalizou a professora.

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